domingo, 15 de dezembro de 2019

Natal.


Onde o Natal
com suas músicas
com seus enfeites e espírito?
Onde minha avó
com as bolinhas de gude
e os primos reunidos?
Onde o Nivaldo
com seu sorriso
e a sua espontaneidade?

Mais um Natal passou
e eu nem percebi!

S.B.Campo, 05.01.79.

Conscientização II.


Eu sei
que aceitei um dia
ser transformado numa máquina
fria e obtusa
com uma única função:
produzir sempre e cada vez mais.

Eu sei
que concordei um dia
que colocassem uma barreira
entre mim e o mundo exterior
que me isolassem do mundo.

Eu sei
que me submeti dia
a uma meta secundária
traçada por outrem
independente da minha vontade.

Eu sei
que permiti um dia
ser acionado por botões
sem reflexos
e sem reações.

Mas não posso aceitar
não posso concordar,
hoje,
que esta minha obtusidade
que esta minha obliteração
que esta minha passividade
não tenham limites de tempo
nem variantes
que me permitam opções.

S.B.Campo, 14.05.79.

Para um futuro distante (ou próximo).


Meus filhos,
não quero que se envergonhem de mim;
ao contrário, que se orgulhem;
não quero que me critiquem
não quero que me defendam
muito menos que me aconselhem.
Sou hoje o que escolhi ontem.

Digam aos que passam
e aos que falam
apenas a verdade:
Este pobre desocupado
é nosso pai;
que trabalhou
que construiu
que foi honesto
que cumpriu integralmente o seu papel.
Hoje ele nada tem
Hoje ele é ninguém
Hoje ele é apenas o tudo
que esperou a vida toda:

Ser Poeta e
Ser Livre.

S.B.Campo, 19.06.79.

Razões do poeta.


O poeta é triste
O poeta é amargo
O poeta é revoltado
O poeta é solitário
O poeta é pobre.
Não porque ele seja pessimista
Não porque ele não tenha prazeres
Não porque ele se sinta injustiçado
Não porque ele seja desconfiado
Não porque ele seja acomodado.

O poeta enxerga o belo
O poeta sabe o que é bom
O poeta crê na bondade
O poeta é social
O poeta tem planos
e percebe,
talvez só ele perceba,
a beleza que há no mundo
a simplicidade que há na vida
a harmonia que há no homem;
mas o poeta vê
a luxúria
a insensibilidade
a força
a falsidade
e a ambição
destruindo homem, mundo e vida.

E por isto,
O poeta é pobre
O poeta é solitário
O poeta é revoltado
O poeta é amargo
O poeta é triste.

S.B.Campo, 21.06.79.

Um quadro na parede.


Quatro horas da tarde.
Um sol claro e forte.
Pássaros cantando
Ramos de árvores balouçando levemente
à brisa morna.
Um riacho correndo manso
sobre pedras lisas.
Um ar puro e gratuito
Crianças sadias brincando alegres.

Longínquas e quase esquecidas lembranças.

S.B.Campo, 27.09.79.

Do outro lado.


Daqui de dentro da minha sala observo
meus filhos brincando na areia limpa e delimitada
de uma construção
no outro lado da rua.
Seus pés e mãos desacostumados
sentem o atrito com a natureza.

De lá, eles não podem me observar,
brincando também numa areia suja e livre
da rua esburacada
do outro lado da vida.
Meus pés e mãos
em harmonia com a natureza.

Entre mim e eles,
transparentes,
o grande vitral da sala
a grade de ferro
e o asfalto negro do progresso.

Entre eles e eu
intransponível
a barreira
de quase três décadas
na verdade de ser criança.

S.B.Campo, 09.11.79.

Tardes de sol.


As tardes
da minha adolescência
eram todas como esta:
quentes
claras
preguiçosas
sem fim
sem planos
sem grandes esperanças
mas cheias de vida e ativas.

S.B.Campo, 25.07.80.